terça-feira, 19 de outubro de 2010

Mairon no deserto - Parte 1: Chegando na região

Ônibus para Jodhpur. Finalmente eu estava rumando ao oeste do Rajastão, ao Grande Deserto de Thar, das caravanas, fortes e camelos. Jodhpur, "a cidade azul", fica às bordas do deserto. É a última cidade de porte antes da aridez começar. No ônibus o caminho me já dava uma prévia do que me aguardava. A poeira subia. Eu passava o dedo na cara e sentia a sujeira. Sentia areia até nos dentes, mastigando poeira. Mas o visual da cidade ao entardecer quando cheguei valeu a pena.

Visão de Jodhpur ao entardecer. Última grande cidade antes do Deserto de Thar, no oeste do Rajastão.
Quando o ônibus chegou a Jodhpur era o cair da tarde. Eu havia dado meu nome ao hotel, que supostamente mandaria alguém pra me buscar. Ainda entrando na cidade, numa das várias paradas antes da final na "rodoviária", já um tuk-tukeiro chegou na janela pelo lado de fora, abordando dois franceses (sentados atrás de mim) e eu: "Eu vou seguir o ônibus de vocês até a parada, e chegando lá levo vocês pra hotel, ok?!". Você vai dizer o que? Na prática não foi uma pergunta, foi um anúncio. Pelo menos a parte do "vou seguir vocês". No caminho dei uma olhadela pra trás pra ver se o ônibus tinha despistado o sujeito. Que nada. Ele me vê e ainda dá um tchauzinho, tipo "Ói eu aqui!". Putz.

Na parada final eu entendi porque ele havia nos abordado com antecipação. Na hora de descer eu me senti uma celebridade. Na boa, tinha uns oito tuk-tukeiros cercando a porta do ônibus. Não tinha espaço nem pra pisar sem tirar eles da frente. E cadê o fulano que era pra vir me pegar? Tudo o que eu vi foi, no meio do tumulto, um dos tuk-tukeiros com um papel escrito AIRONAL. Nem passou pela minha cabeça que esse era eu; normalmente tem várias pessoas sendo esperadas e tuk-tukeiro de sobra querendo dar golpe, então é bom estar bem certo antes de ir com um deles. Mas ele vem falando: "Bréju! Brejú?".

Já sacaram o que é Breju? Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três... Brasil.
Virei Aironal do Breju, prazer.

Passada a gafe, me instalei em Jodhpur por alguns dias. Grande parte da cidade é de fato bem azul. Mas a visão principal tem cor de rocha, é o imponente forte Mehrangarh, que parece ter saído de O Senhor dos Anéis. (Me fez lembrar Helm's Deep, a fortaleza do segundo filme).

O forte Mehrangarh em Jodhpur, Rajastão
O forte data de 1459, quando Jodhpur foi fundada. Visto de perto ele é ENORME, e do alto você vê não só a cidade inteira mas também kilômetros além. O melhor era, ao pôr do sol, uma revoada que sobrevoava sempre o forte e dava uma visão interessante, parecendo mesmo de filme de fantasia ou aventura, de pássaros negros voando à frente do sol poente junto a uma fortaleza. Mehrangarh é talvez a fortaleza mais impressionante que eu já vi.

Visão do pôr do sol do alto do forte Mehrangarh, em Jodhpur. Os pontos escuros no céu são centenas de pássaros revoando.
Forte Mehrangarh, Jodhpur
Jodhpur tinha também, nos arredores, os Jardins de Mandore, uma área verde onde estão vários cenotáfios (monumentos fúnebres erguidos em memória de alguém que morreu, mas sem os restos mortais estarem lá, por isso não são tumbas) de toda a linhagem do marajá da região. O visual novamente lembra filmes e jogos de aventura. Mas na realidade a aventura mesmo é andar no meio da macacada que está por lá. Eles são notórios por roubarem óculos, comida, ou qualquer coisa que você tiver na mão. E adoram mostrar os dentes e pular pra lá e pra cá, dando a impressão de que numa dessas vêm no seu pescoço. Numa hora tive que cruzar uma ponte que tinha macacos de um lado e do outro, dúzias deles, e a sensação é a de que você está cruzando uma rua perigosa com gangsters de um lado e do outro. Aí você vai devagar, com aquele jeito que quem não quer nada, mas olhando de canto de olho enquanto eles olham você passar, hehehe.

Cenotáfio nos Jardins de Mandore, estruturas erguidas em memória de cada um dos antigos marajás da região. Como tumbas, mas sem os restos mortais estarem lá.
A macacada nos Jardins de Mandore. Ágeis e astutos, esses moleques. Olho vivo nos seus pertences. (Não, não pegaram nada meu não, hehe).
Corredor polonês de macacos. É a mesma sensação de estar andando numa rua no meio de uma gangue.
Terminado o passeio por Jodhpur e seus arredores, era chegada a hora de adentrar o deserto pra valer. Lá há basicamente uma cidade, Jaisalmer, e é pra lá que eu fui. Mais cinco horas e meia de ônibus, que dessa vez pareceram durar o dobro. "Pinga-pinga" que não acabava mais no caminho, e um pinga-pinga literal, mais desagradável, de líquidos desconhecidos entrando pela minha janela, vindos de passageiros à frente ou em cima (os ônibus aqui não têm espaço para bagagem sobre os assentos; em vez disso, há uma escadinha e lá em cima há espaço pra a pessoa ir sentada "no chão", junto à vidraça, com uma cortininha pra fechar). E aí lá em cima rola a farofada e tocam os rádios, já que os indianos não têm a menor cerimônia de ligar o radião alto pra o ônibus inteiro ouvir. Quanto aos líquidos que caiam, preferi não pensar muito no que podia ser.

Fim da tarde, cheguei a Jaisalmer. Mais um truque desses de ônibus, pega-turista. O cobrador me inventa, na hora que fui botar a bagagem no fundo: "Tem a taxa de bagagem que são 20 rúpias. Aí, *tapa na lataria do ônibus pra dar efeito*, dou minha garantia que chega lá com segurança". Você vai dizer o que? Afinal era menos de um real. Deixei passar, por mais que desconfiasse que era picaretagem, mas disse que só pagaria na chegada. Foi aí que, em Jaisalmer, o cara do hotel estava lá na parada final e deu um esporro no fulano quando ele veio tentar cobrar a tal taxa. Demos o fora e eu guardei minhas 20 rúpias pra outra coisa.

Finalmente, Jaisalmer, no meião do deserto. Uma cidade toda feita de pedra, arenito amarelo, portanto cor de areia mesmo. A cidade é toda cor-de-deserto. No meio, um imponente forte de 1156.

Vista de Jaisalmer, cidade no Grande Deserto de Thar, Rajastão. O forte data de 1156, quando então a cidade começou a crescer nos arredores.
Jaisalmer é uma cidade divertida de se andar. Parece um video game. Há poucas ruas em que passa carro, e a grande maioria são becos em que há touros/vacas, cachorros, cabras e pessoas circulando. Me perdi várias vezes, mas como a cidade não é tão grande você acaba se achando (embora isso possa levar tipo uma ou duas horas batendo perna à deriva).

Típica rua em Jaisalmer, espaço para transeuntes humanos e animais, além de motocicletas ocasionais. As casas melhores sempre construídas acima do nível da rua, pra evitar que entre muita areia. Nas bordas, os esgotos abertos, como de costume nas cidades daqui.
Rua com mercados em Jaisalmer
Companheiros constantes nas andadas pelas ruas de Jaisalmer: cães, cabras e bovinos. Às vezes a educação - e o juízo - pedem que você dê passagem a eles.
Mas é o forte, que é ainda hoje habitado e que conta com sua própria gama de ruas, ruelas e mercados, o ponto alto da cidade, em todos os sentidos. Não houve cimentação, então ele é todo feito simplesmente com uma pedra em cima da outra. Às vezes cai um pedaço, pois ele não foi preparado pra ter gente vivendo com água encanada e esgoto rodando suas estruturas. Então há um trabalho de conservação, mas muito ainda a desejar. Se vê lixo doméstico - e de turistas - por várias partes.

Forte de Jaisalmer, de 1156.

Vista de Jaisalmer do alto do forte
Visitada a cidade, era chegada a hora de concretizar meu plano de passar três dias no lombo de um camelo no deserto, deitando na areia e vendo as estrelas. Continua na Parte 2...

Homem do deserto fumando em sua hookah.

4 comentários:

  1. Ae Mairon,
    ótimas aventuras. Hoje, por sinal, passou no History Channel um especial de como Akbar conquistou o Rajastão e conseguiu penetrar esse forte aí, o Mehrangarh.

    Usa uma dessas roupas tipo a do tiozinho fumando ae que você passa de boa por local XD

    Ou então adota o visual muçulmano mesmo.

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  2. hehe Aironal, vê se paga o tiozinho do restaurante que estressou e convulsionou. E volta logo pro Breju!!!!

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  3. Cenário de Príncipe da Persia aí essas ruas. Que legal essa andança no deserto, hein? Adorei os macaquinhos, os tapetes e teve até cachorro nessas fotos! Conta o resto antes de retonar ao Bréju, ok? Beijão Aironal! hahahahaha

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  4. Hauhauhauheau, tô rindo muito com seus posts! Cada um melhor que o outro.
    Curioso pra saber dessa travessia no deserto :*

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