No ônibus povão cheguei eu. 1h da tarde. Solzão a pino. A rodoviária, um desbunde. Mal merece o nome de rodoviária. Na prática um terreno, daqueles em que sobe o cheiro de urina seca na poeira, com lixo por toda parte e plástico amassado pelas rodas dos ônibus e já grudado no chão.
A "rodoviária" de Ajmer, no Rajastão. Poeira, sol e calor - com efeitos aromatizantes pela urina e o lixo. |
Acha que os ônibus da sua cidade estão detonados? Esse aqui ainda circula. Interurbano. |
A família se tratava dos Mathur, um vô boa praça (e relativamente jovem, na casa dos 70 anos e bastante ativo) e a senhora esposa dele, menos liberal, daquelas que ri pra você mas que no fundo são igual avó nordestina conservadora (não é o caso das minhas, mas eu conheço o tipo).
Seu Mathur foi me buscar na "rodoviária". De carro. No caminho, foi o recorde de vacas por km rodado. Nunca tinha visto tantas. O trânsito uma completa zona mais uma vez, só que agora com muitas ruas estreitas, em que motoristas de outra parte do mundo provavelmente jogariam a toalha. (Ah, aqui na Índia não existe o hábito de construir calçadas, então todo mundo anda na rua; da porta da loja você já está na rua).
Tráfego em Ajmer, numa das vias principais. |
Tráfego no centro |
No labirinto de becos do centro da cidade. |
Mayo College em Ajmer, seguindo a tradição dos colégios internos da Inglaterra vitoriana, do séc XIX. A este prestigiado colégio vinham (e vêm) os filhos dos marajás e outros que podem pagar. Só pra garotos. Mais recentemente, abriu-se uma "filial" para meninas, o chamado "Mayo College para garotas". |
Mas o negócio para visitar mesmo em Ajmer é a "Dargah", a tumba de um santo muçulmano do século XII. (Sim, os muçulmanos adoram visitar tumbas e fazê-las monumento). Peregrinos muçulmanos de toda a Índia - e de países vizinhos - vêm até esses becos do centro de Ajmer pra encontrar o caminho até a Dargah. E lá fui eu.
No caminho, eu volta e meia vendo gente trafegando descalço naquele chão e pensando "Afff como é que o cidadão vem pra cá descalço". Heh, mal sabia que o mesmo destino me esperava. Do ladinho, uma verdadeira Veneza de esgotos, com mais canais que Amsterdã, por cada ruela dos dois lados. Às vezes você via também o esgotão jorrando e os porcos-do-mato coletando coisa. De relance que olhei ficou a imagem, agora gravada na memória, de um porcão abocanhando um limão passado que a água suja ia trazendo. Are baba.
Entrada da área da Dargah, operação tirar os sapatos (e havia ainda uma certa caminhada por becos até chegar na tumba propriamente dita). Um sacerdote muçulmano amigo do Seu Mathur estava lá pra nos assessorar e a gente pegou um atalho pra contornar as multidões vestidas de branco que estava por aquelas ruas apertadas. Na área não era permitido foto, mas havia uma riqueza em revestimentos de ouro e uma bonita prática e jogar pétalas de flores na tumba, e fazer um pedido. Moinuddin Chishti era conhecido como "o benfeitor dos pobres", então na área há um serviço de alimentação gratuita oferecida aos pobres da região, mantido pelos muçulmanos.
Joguei pétalas, tive fitinha vermelha-e-amarela amarrada no braço pelo sacerdote e tudo o mais. O pé fica sujo da rua mas vale a experiência. Naquele mesmo dia, de tardinha, chegava a hora de ir tomar as bênçãos da outra religião, da hindu. Seguimos então a Pushkar, eu e os dois Mathur.
Diz a lenda que Brahma deixou cair uma flor de lótus na terra e a cidade de Pushkar apareceu. Pelo visto acharam de transformar a flor de lóuts em flor de papoula ou de coca, porque a cidade virou point de drogados (muitos turistas inclusive).
Fomos lá de carro, e havia ainda mais bois e vacas do que em Ajmer. Seu Mathur achou de querer estacionar bem onde havia um bovino. Foi se aprochegando e o bicho nem "tchum". Aí é que veio o melhor:
- Mairon, desce aí.
*Mairon desce*
- Faz ele sair aí.
- ?
- Espanta ele.
Minha resposta foi uma cara incrédula. Desculpa mas não me ensinaram a "espantar" um bicho de 500kg e com chifres. Foi uma bela cena de mim batendo palmas, batendo o pé no chão e fazendo coisas do tipo enquanto meio que me escondia atrás do carro vizinho. Deu certo. Devagarzinho o bicho de moveu e Seu Mathur foi estacionando.
Andamos pela cidade, vimos os turistas maconheiros e passamos por muitas barracas vendendo comida em condições de higiene duvidosas. Seu Mathur parou comigo numa que estava particularmente nojenta. Um frigideirão preto de tanto uso, grande que dava até pra abraçar. Várias rodelas de massa boiando num líquido grosso que eu não sabia se era calda doce ou se era óleo velho - ou alguma mistura dos dois. Lá foi Seu Mathur: "Me dê três". Um homem gordo que estava sentado de pernas cruzadas, com o pé sujo perto da frigideirona, fala alguma coisa e lá detrás vem um menino. O menino então com a mão preta de sujeira mete a mão na calda e vai pegando (aqui na Índia ninguém usa guardanapo ou coisas pra evitar contato direto com a comida... é tudo na mãozona mesmo). Foi a gota. "Não compre pra mim não", fui logo dizendo. "Mas essa é a especialidade daqui". Seu Mathur não ouviu nem resposta. Fiz aquela cara de "Nem f*dendo" e ponto.
Em seguida visitamos o Templo de Brahma, mas eu já estava tão embrulhado com a visão daquela comida que nem aceitei a aguinha com açafrão que o sacerdote oferece. O templo bem simples, mas legal. Os templos hindus são bastante coloridos, com chão de lajota, escadarias, um sino pra você badalar e receber boa sorte, e a área central (cercada) onde ficam altares etc., com acesso só aos sacerdotes. Da beira da cerca você se dirige à divindade, faz sua oração etc. Tudo descalço, então tome-lhe um pouco mais de pé sujo no meio do povão, mas nada que um bom banho não resolvesse.
Por fim, no dia seguinte, visitamos alguns outros monumentos de volta a Ajmer: pavilhões de mármore construídos pelo imperador Shah Jahan à beira de um lago no século XVII, e um pequeno monumento a Gandhi, que estava com guirlandas amarelas pois há poucos dias foi o seu aniversário (dia 2 de outubro), e aqui na Índia o aniversário dos mortos é celebrado pondo-se essas guirlandas em voltas dos seus retratos ou estátuas. Encerro portanto com algumas fotos desses locais.
Pavilhões de mármore ao pôr-do-sol. Construção do Imperador Shah Jahan no século XVII, o mesmo que ordenou a construção do Taj Mahal. Foi um dos grandes imperadores mogóis a governar a Índia, e um grande fã de obras em mármore branco, extraído aqui do Rajastão. |
Feliz aniversário, Gandhi! Que sua nação consiga superar os males da pobreza e realçar suas belezas, estéticas e filosóficas. |
Belíssimas fotos migo!
ResponderExcluirPena que dohábito culinário local nao digo o mesmo...hahahahaha
Beijos!
Ae Mairon, entendo bem esse lance da vó.
ResponderExcluirVai em dizer que você nunca comeu aquele hotdog duvidoso ou um acarajé daquela baiana meio estranha?? XD
Locais bonitos mesmo!!
Nossa amigo como vc ficou bonito nas fotos ta fazendo inveja a muitos "Rajs" da vida hehehe!Lindas suas fotos, continue mandando pra gente matar um pouquinho as saudades.Bjos em seu coração, Deus te abençoe sempre.
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