segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Agra: entre o Taj Mahal e procissão de casamento

Finalmente, cheguei ao monumento mais famoso da Índia. Nessa semana passada lá estava eu em Agra pra ver o Taj Mahal, a duas horas aqui de Délhi. O clima que me esperou já era frio - é inverno aqui no hemisfério norte, e a Índia está acima do equador. Embora lá embaixo em Mumbai estivesse tudo quente e úmido, cá o povo já está todo agasalhado. Agra também me agraciou com uma bela chuva. Nada mais apropriado pra ver um monumento feito pelo imperador para a sua falecida alma-gêmea.

A história, em miúdos, é a seguinte. Há muito, muito tempo, nos idos 1600, nesta terra distante, o príncipe Khurram, herdeiro do trono de imperador, foi prometido a três esposas (na tradição muçulmana se pode ter até quatro esposas simultâneas). Às duas primeiras ele demonstrou muito pouco interesse, mas pela terceira, uma princesa persa, a história foi diferente. Ela era Arjumand Banu Begum, apelidada de Mumtaz Mahal ou "a favorita do palácio". Quando Khurram ascendeu a Trono do Pavão Real (o lendário Taxt-e Tâvus, mais caro em valor do que o Taj Mahal inteiro, de tantas jóias que tinha e em ouro maciço; o trono acabou sendo desmantelado tempos depois, antes mesmos de os ingleses chegarem, mas algumas jóias acabaram parando nas "jóias da coroa britânica" mesmo assim). Ao ascender ao trono o príncipe Khurram assume o nome de Shah Jahan, e sua princesa se torna a imperatriz favorita. A moça é relatada como sendo "o berço da excelência", mulher de bom coração e beleza infinita. Além disso, boa companheira e sem aspirações políticas (o que, para a época, era importante, pra evitar aquele veneninho na janta). A relação era intensa. Ela era sua principal companhia e confidente; viajavam juntos nas campanhas militares do império, e juntos tiveram nada menos que 14 filhos. No parto do 14o, porém, a princesa veio a falecer. Dizem que Shah Jahan ficou tão em choque que os seus cabelos ficaram brancos do dia para a noite.

Assim, decidiu, ainda durante a campanha militar, que construiria um gigante mausoléu para a sua imperatriz. Assim veio à existência o Taj Mahal, algo como "coroa dos palácios", que depois de 22 anos ficou concluído às margens do Rio Yamuna.

Foi esse que eu fui visitar numa chuvosa manhã. Seguem as fotos. (No google vocês podem achar fotos dele ensolarado).

Taj Mahal, "o monumento em homenagem ao amor", em Agra. O Taj é todo em mármore branco e tem 171m de altura.




Pra quem quer saber a continuação da história, é um pouco trágica. Dos filhos de Shah Jahan e sua princesa persa viveram 6, duas mulheres e quatro homens. O mais novo, Aurangzeb, estava revolto que seu pai estivesse gastando tanto dinheiro enquanto outras pessoas necessitavam. Resultado: deu o golpe. Matou seus três irmãos mais velhos, se mancomunou com uma das irmãs e aprisionou o pai numa torre do Forte de Agra. A outra irmã tentou ajudar o pai e foi também presa. A torre não era uma masmorra, eu visitei, tinha fontes com água de rosas e tudo o mais, mas funcionava como uma prisão domiciliar. Shah Jahan olhava o Taj somente à distância. Quando sua vista ficou fraca, sua filha pediu ao irmão Aurangzeb que trouxesse um diamante para o pai, onde ele podia então ver o Taj pelo reflexo. Oito anos depois, Shah Jahan faleceu. Hoje seus restos mortais estão juntos com os da princesa no subsolo do Taj Mahal.

Inspirados talvez pela história de Shah Jahan e seu amor intenso com a princesa persa, indianos continuam casando-se - frequentemente jovens, nos seus 20 e poucos anos. Acabei, na rua, flagrando uma das "procissões" que eles aqui fazem com o noivo - igual mostraram na novela. Confiram aí no vídeo o noivo desfilante e os dançarinos. Liguem o som e aprendam aí uns movimentos pra a próxima festa, hehe.

http://www.youtube.com/watch?v=aojRWPA4nno

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

24h num trem indiano

A incrível jornada. Das praias do sul subindo de volta ao norte até Mumbai, a "São Paulo" da Índia - cosmopolita e coração econômico, mesmo sem ser a capital. Separando-me de Mumbai, 24h de trem. Trem povão, 4a classe (15 reais a passagem pra esse tempo todo de viagem, por aí você já tem uma idéia). Mas foi uma experiência inesquecível.

Saímos cedo. 5:30 da manhã eu já estava de pé e corrido, fazendo tudo caber dentro da mochila e me mandando pra a estação. O sol ainda mal raiava e eu já estava lá entrando no trem pra o que seria uma jornada de um dia inteiro e uma noite, chegando em Mumbai na manhã seguinte.

O trem indiano tem uma concentração grande de pessoas, como vocês podem imaginar. Em teoria, numa área de seus 1,5m x 3m vão 8 pessoas; na prática, logo na minha primeira hora de viagem contei 9 adultos e 5 crianças (sim, eu sou ótimo pra atrair a meninada). Pula pula, chororô, tudo isso. Nesse meio estava uma família em que o homem morou na Alemanha, então ficamos conversando. Ele dizia que, sempre que possível, botava os filhos pra viajar nessa classe pra eles terem uma melhor noção do país.

O trem povão é também pinga-pinga, como você pode imaginar. Toda hora pára e entra gente. Além de passageiros, entram os vendedores ambulantes, que são a verdadeira alma do trem povão. Nessa viagem provei: samosa (uma fritura com batata e especiarias dentro), chai, doce de manga, bolinho de arroz com molho de côco, pão chato, goiaba com sal e pimenta, e outras coisas que eu já esqueci.

(Um adendo sobre as frituras aqui. Uma vez perguntei a um entrevistado meu se eles não usavam resíduos de óleo frito, de restaurantes, pra fabricar biodiesel, como no Brasil. Ele disse que não porque mesmo esses óleos de mais uma semana ainda tem quem compre para fritar ainda mais. Então já viu).

Normalmente eu não entro muito nessas frituras de beira de rua, e também essa história de goiaba com pimenta não me apeteceu muito, mas acabei me juntando a um grupo de indianas pra jogar baralho, e aí rolou aquela pressão, hehe. O mais interessante foi ver a cara dos mais velhos olhando eu e um bando de rabos de saia (ou de sari) dando risada e jogando. Na Índia, normalmente os grupos de jovens são unissex: você vê aquele bando de rapazes juntos parecendo o clube do Bolinha, posando de gostosões (os indianos adoram posar e andar parecendo bad boy, igual o povo que vai pra a exposição agropecuária lá de Feira dar em cima das domésticas). Ou então é aquele bando de moças dando risada e confabulando, sem nenhum rapaz no meio. Eu já estava de saco cheio de ficar conversando só com homem (até porque os caras indianos às vezes tem uma conversa beeesta...), então puxei conversa com as moçoilas e acabamos jogando. Foi divertido e foi boa companhia pra ajudar a passar o tempo.

Pra ter uma noção melhor do ambiente do trem, nada melhor do que vocês mesmos verem, então fiz um curta. (É só copiar o link e colar no navegador. Ponham o brilho alto porque está meio escuro - era de noite).

http://www.youtube.com/watch?v=a7x6T6tVd9Y

Duas horas "pegam" no trem povão. A gandaia dentro do trem, o entra e sai de passageiros e de vendedores você acostuma (se não acostumar, você surta), e num grupo fica até divertido. O negócio pega é na hora do banheiro e na hora de dormir. Como vocês viram, o banheiro estava fechado na hora do vídeo mas eu tirei uma foto pra vocês verem.



Esse é o banheiro típico indiano. É, sem vaso mesmo. Tradicionalmente  indiano não usa vaso, faz em pé ou de cócoras. Hoje em dia é que vaso está ficando comum nas casas, mas mesmo assim banheiro público é quase sempre sem. Ou quando tem, vem escrito "Western Toilet" na porta, hehe. No trem tem um por vagão (+ dois em estilo indiano), mas depois da segunda hora já tá a fedentina e a molhação no chão.

A segunda hora complicada é a de dormir. A classe povão vai (i) sempre (i) com gente a mais. O negócio é que aqui eles usam um sistema de reserva em que, se alguém cancelar, o lugar é seu. Como você nunca sabe se vão cancelar ou não até a hora H, você entra. Aí frequentemente dúzias de pessoas vão no chão, dividindo assento, no motor... tem de tudo. No meu caso, primeiro descobri que o lugar de deitar não me cabia, tive que ir encolhido, e dividindo o espaço com uma senhora idosa gorda que estava sem lugar e um menino (também gordo) que estava espirrando e com a garganta ruim. Já imaginou aí que climão bamba pra dormir? Agora, parando pra analisar, pense aí que muitos daqueles outros - do menino gordo gripado e sem assento até o povo dormindo no chão - estavam em situação muito pior do que eu, e se bobear eles passam por isso todo mês.

Você, é claro, não dorme - você no máximo cochila por 2h, aí acorda, tenta se revirar e vê que não dá, aí tenta dormir assim mesmo, acorda de novo...

Mas entre mortos e feridos salvaram-se todos (eu acho). De manhãzinha cedo estávamos chegando a Mumbai, para uma bela manhã de chuva.

Mumbai lembra um pouco Nova York, com táxis amarelo-e-preto por toda parte (tuk-tuks são vetados na cidade) e a baía ali ao lado dos prédios.

Vista da baía de Mumbai numa manhã chuvosa de domingo.

Eu tinha o dia pra visitar a cidade. Depois o sol abriu e deu pra andar legal pelo centro - Mumbai é bem mais organizada do que Nova Délhi. Deixo vocês com algumas fotos do meu passeio, inclusive do Taj Hotel onde teve os atentados terroristas de 2008.

De Mumbai outro trem me esperava no fim do dia para Agra, pra finalmente ver o Taj Mahal - tema do próximo post.

Indianos jogando críquete no campo no domingo de manhã. Ao fundo, prédios do Século XIX da época do domínio britânico na Índia. Mumbai (antiga Bombaim)

Área central de Mumbai, quieta num domingo de manhã. Ali os modelos dos táxis, quase todos antigos. Mas já é melhor do que os tuk-tuks, vetados na cidade.

Mumbai
Taj Mahal Palace & Tower, máximo hotel de luxo em Mumbai, vítima de ataques terroristas em novembro de 2008.
The Gateway of India, erigido em homenagem aos monarcas ingleses quando visitaram a Índia em 1911.

Rua do bairro da Colaba, em Mumbai.

Loja de perfumes e óleos em Mumbai.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

¿Vamos a la playa?


















Saindo de Goa, continuei a beira-mar. Em Goa a visita foi mais historica, entao esperei um pouquinho mais para ir mais ao sul, em Kerala (esse estado la na pontinha sul da India), e finalmente me encontrar com os deuses do mar e ver de perto a fama de os indianos tomarem banho de roupa.

Minha jornada à praia começou pela singela cidade de Thiruvanamthapuram (lê-se algo como "Trivandrum", hehe), a capital de Kerala. (Os keraleses e sua lingua, o Malayalam, sao mestres em ler palavras enormes como se tivessem tres silabas. Falam mais rapido que a velocidade da luz, e sao muito amistosos, tem o jeito sangue-quente igual os latinos).

De Thiruvanamthapuram uma rápida rodada de tuk-tuk até Kovalam, a rainha das praias do sul da Índia. Não vi muuuita majestade, pra dizer a verdade - acho que as praias brasileiras são melhores. Mas eu não podia deixar de experimentar uma praia indiana.

O primeiro dia, porém, não deu praia. Caiu o maior pé d'água - trovoada com ventos fortes e as ondas quebrando. Também teve o seu sabor, foi interessante. Mais interessante ainda foi ver que os indianos não saem da praia só porque começou a chover. Os firanghis estrangeiros todos bateram em retirada quando a água começou a cair, mas a indianada toda continuou lá. E não eram só os jovens não; a trovoada braba e as mamães a fazer o maior promenade na beira da praia. Uns com guarda-chuva, outros não; os homens às vezes de calção ou sunga, às vezes com roupa de escritório, hehe. E, sim, todas as mulheres de roupa até o tornozelo. A maior comédia é vê-las suspendendo o sari pra ir molhar as pernas na água. Aí vem aquela onda e enchaaaarca, hehe.


Banhistas indianos na praia de Kovalam, em Kerala

Como bom brasileiro, achei logo meu point numa barraca. De lá foi que notei uma figura inusitada no meio do povão: o salva-vidas. Esqueça o gostoso malhadão de filme americano ou de novela da Globo. Esse salva-vidas era um fulano franzino, de bigodinho, barriga saliente, e vestido de camisa azul-polícia, chinelo e boné. Esqueça também aquelas torres de observação; o salva-vidas aqui fica numa cadeira dessas de plástico debaixo dum sombreiro na areia com uma garrafinha d'água do lado. Ah, e o apito. O apito é importantíssimo. Ele é que preenche o sentimento que o homem indiano tem de ter e mostrar autoridade. O salva-vidas aqui apita por tudo, mais do que árbitro de futebol. E aquela bandeira vermelha que às vezes fica fincada na areia quando a a maré não está pra nado, ele pega e sacode e gesticula igual manifestante de partido comunista. O mais legal é quando rola "desacato a autoridade", ou seja, quando o crispim na água nao dá ouvidos ao apito ou finge que não viu as bandeiradas. Aí o salva-vidas levanta nervoso ([it] com uma mao segurando uma toalhinha  pra cobrir a cabeca da chuva igual a minha avó quando vai abrir o portao no chuvisco). A combinação de pouco físico e pose de autoridade me lembraram o jardineiro lá de casa, Seu Nilson, sujeito franzino, de poucos dentes, que fala errado, mas que consegue ter a auto-confianca de um capitão do exército quando fala. É engracado. O salva-vida que eu vi aqui tem a mesma pose.
E é pontual: deu 5h da tarde ele botou todo mundo pra fora d'água.

Salva-vidas indianos na praia de Kovalam

No segundo dia eu finalmente caí no mar. Água meio traiçoeira, mas boa. Nada como um bom relax na beira da praia, umas frutas tropicais... aaahhh maravilha. Nesse segundo dia estava um solzão. Dessa vez o salva-vidas foi pra dentro d´água controlar o pessoal de lá, hehehe. Fazia pose matando as ondas no peito (nem sempre dava certo, o que era o mais engraçado).

Uma diferença crucial com a maioria das praias brasileiras é que aqui não tem música. As barracas não tem som, e não tem ninguém com o som do carro ligado tocando o último batidão. Por um lado é bom, dá pra ouvir o mar. Por outro, às vezes dava vontade de ouvir uma música animada indiana pra entrar no clima de que eu estava na Índia, e não tinha.

De todo jeito valeu esses dias de sombra e água fresca. Ia precisar. Duas longas viagens de trem na classe popular me esperavam: 17h de Thiruvanamthapuram a Chennai, e 24h de Chennai a Mumbai. Pra revolucionar os seus conceitos de o que é uma viagem longa. Are baba.

Coqueiros e mar em Kovalam
Banhistas indianos. As mulheres, como ficam sem jeito de se molhar com roupa, as vezes entram todas juntas e de mãos dadas na agua.

No norte de Kerala, rapazes indianos abordando a moca ocidental pra uma foto junto com eles. Super tipico.


Praia de Kovalam, extremo sul da India

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Goa - legado português na Índia

Alô, moçada! Estou vivo ainda, apesar de algumas experiências desgostosas pelos trens indianos. Comecei a fazer igual na musiquinha de "E vai descendo, e vai descendo" e experimentar as classes mais baixas do trem indiano. Pra que. Affff. Os comentários que fiz antes foram da 2a classe (dum total de 5). Desta vez resolvi experimentar a 3a e a 4a classes. Viuge maria. A 3a até que vai, é igual à segunda só que com mais gente e, portanto, mais muvuca. A 4a é que pega, porque é povão e sem mordomia nenhuma. Deus me perdoe, mas me faz lembrar as fotos que vi de campo de concentração em que os judeus ficavam numas "gavetinhas" junto da parede. Noite passada tive uma viagem óóóótima nessa classe aí, que ainda por cima parava o tempo todo e o condutor esquecia que já tinha visto meu ticket, e já passado da meia noite ainda bole meu pé e me acorda (e tinha me dado tanto trabalho pra pegar no sono...), e ainda tinha uma miséria duma lâmpada incandescente dessas tipo de galinheiro que, não sei porque raios, não apagava e ficava bem ali, a noite toda. Tá pensando que acabou? Ainda tive o desfortúnio de ser posto num assento (gaveta) perto do banheiro, e o cheirão de uréia tomou conta do ar durante as 9h de viagem. Aaaare baba.

Mas, bom, deixa eu falar de Goa que é o propósito do post. Estive lá há poucos dias atrás, após sair de Bangalore, e vi um pouco dessa área que foi colônia portuguesa até muito recentemente, até 1961. Se tornou um pequeno estado indiano onde os idosos ainda falam português, e onde se vê por toda parte que os portugueses passaram por ali. Na verdade, Goa encaixaria muito melhor na Bahia do que com o restante da Índia. Isso, é claro, no que concerne a aparência do lugar. No que se refere às pessoas, são indianos de carteirinha. Goa é como Porto Seguro, só que habitada por indianos.


Fontainhas, área histórica de Panaji, capital de Goa
Loja de azulejos em estilo português. Panaji, Goa
Típicas inscrições junto às casas mais tradicionais de Goa

Igreja de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, de 1541, na praça central de Panaji, capital de Goa

Pra quem não sabe, a temática central de Os Lusíadas, de Camões, é exatamente essa viagem dos portugueses até aqui. Tem uma estátua enorme dele, em pose de recitar o poema heróico, que hoje está no museu de Goa Velha (costumava ficar numa praça central). Pra dar rapidamente a parte histórica, os portugueses chegaram à Índia em 1498 com Vasco da Gama. Mas isso não foi em Goa, foi mais ao sul, em Calicute, no estado de Kerala. Goa na época era governada por muçulmanos (como muito da Índia, já deu pra perceber, né). Em 1510 os portugueses brigaram e tomaram Goa (que era considerada um dos melhores portos da época) com a ajuda de corsários hindus. Assim estabeleceram um domínio de 450 anos, e mantiveram esta parte mesmo quando o restante da Índia caiu sob domínio inglês. 

Goa Velha, ainda com igrejas e conventos. Ali uma estátua de Santo Antônio no jardim e a igreja de Santa Catarina (se não me engano).

Um dos resultados dessa colonização portuguesa é que Goa se tornou uma área muito menos conservadora que o restante da Índia. Aí, pronto, virou o ponto da libertinagem de turistas indianos e estrangeiros interessados em festa na beira da praia, bebida (e outras droguinhas a mais...). Você pergunta por camisa e o cara já pergunta se você fuma.

Mas pelo menos vai chegando aqui pro sul, dá a impressão, os indianos vão ficando mais simpáticos e descolados. Como me disse um tio no trem: "No norte o povo é muito trapaceiro, e também conservador demais. As mulheres nem chamam o marido pelo nome. Aqui não, a gente está acostumado a lidar com estrangeiro há 5.000 anos e há muito mais mistura". As mulheres aqui também falam com você e sorriem, finalmente.

Deixo vocês com fotos do litoral de Goa.


Entardecer no litoral de Goa. Praia de Anjuna.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Bangalore e os rituais de porta de loja

No post passado fiquei devendo a vocês uma foto das bananeiras amarradas na frente da loja, pra trazer bons auspícios no Diwali (Festival das Luzes). Então aqui vai.

Bananeiras amarradas na frente de lojas no período do Festival das Luzes, pra trazer bons auspícios.

Essa loja era até chique, mas desde essas até lojas ralé e boteco colocaram bananeira na porta. Não sei se a tradição se estende por toda a Índia, mas pelo menos aqui nessa parte do sul é assim. Essa foto já foi tirada em Bangalore, depois que deixei Hyderabad. Aqui já é um clima bem mais de "sul" - mais presença cristã e influência colonial européia, comida diferente, e o povo mais descolado (Ah, e como eu disse antes, as línguas também são completamente diferentes, mas pra quem não entende nada faz pouca diferença se eles estão falando hindi ou kannada, a língua desta região - e não, não tem nada a ver com o Canadá). Eu diria até que o pessoal aqui é mais gente boa e - finalmente - menos "pega-turista". Aleluia!

E sobre as mulheres, aqui finalmente você vê mulher trabalhando nos hotéis e recepções, embora ainda sejam minoria. Mas pelo menos estão lá e falam com você normalmente.

Mas deixa eu falar dos rituais de porta de loja, que anunciei no título. Além das bananeiras, esta semana peguei um ritual mais "trabalhado" na rua aqui do hotel (ou presenciei um "trabalho", no sentido umbandístico da palavra, hehehe). Devia ter dado alguma zica na loja.

A princípio pensei que era parte dos fogos de artifício e talz - a meninada estava por toda parte botando bomba na rua (acho que pra sacanear os tuk-tuks, sei lá), e de vez em quando você via estrelinha e vulcão (daqueles que acende no chão e sobem as luzes coloridas). Mas dessa vez era uma chama mesmo acesa na porta da loja, e o cara - que depois se revelou ser o dono da loja - com uma melancia com pavio (?). Ele (descalço) foi lá acender a melancia na chama que estava no chão. Pronto, agora é que essa zorra vai explodir e vai voar melancia em todo mundo. Negócio surreal. Apressei até o passo pra escapar da melancia explosiva - e fiquei olhando com o pescoço entortado enquanto andava, já que a curiosidade era muito forte.

Que nada, não explodiu. Em vez disso, o cara tacou a melancia acesa no chão com força e ela se espatifou toda (e sim, voou em quem estava perto). Daí vem o sacerdote, que já estava dentro da loja (vestido igualzinho o pândite da novela, com aquela toga branca e a cabeça meio raspada), e passa o incenso enquanto recitava algo que o barulho da rua não me deixou ouvir. De relance peguei o cara ainda ajeitando a chama depois de espatifar a melancia, olha ae.

Comerciante durante ritual de purificação de loja em Bangalore, ajeitando a chama após espatifar uma melancia no chão.

E não era nem loja ralé, como vocês podem ver aí. Bangalore aqui, na verdade, parece ser bem mais organizada que as cidades anteriores que eu visitei. Pelo menos as ruas do centro tem calçada (êêê!!), os sinais de trânsito funcionam, tem faixa de pedestre (que os carros param em cima, mas aí também você ia querer demais, isso aqui ainda é a Índia). Dá uma sacada aí no jeitão da cidade.

Bangalore em sua área mais classe média-alta. Ruas decentes e boas lojas ao redor.

Eu falei que havia igrejas aqui. Na verdade, tem três só na minha rua e uma bem defronte do hotel, ortodoxa (embora a maioria sejam católicas romanas). É interessante porque até então eu não tinha visto igreja nenhuma na Índia. Mas aqui no sul há uma herança colonial mais forte (tanto portuguesa quanto inglesa), e há inclusive vários indianos cristãos. Quando fui dar uma olhada na Igreja de São Patrício, da foto abaixo, estava tendo missa (em inglês) e com até uma boa quantidade de pessoas - embora não estivesse lotada. Pra contrastar arquiteturalmente em estilo, um templo hindu também aqui da cidade que eu visitei.

Igreja de São Patrício em Bangalore, do século XIX
Templo hindu em Bangalore, dedicado a um dos filhos do deus Shiva.

Mas o local pra visitar mesmo em Bangalore, dizem todos os guias, é o Templo da Sociedade Hare Krishna, então eu fui lá. (Câmeras proibidas, então vocês vão ver só o lado de fora). Esse movimento, pelo que eu soube, na verdade se iniciou nos Estados Unidos, embora por um indiano. Aí os centros foram se espalhando... e até aí no Brasil têm uns. Na verdade, eu achei mais comercial do que templo mesmo, embora o vão central seja bonito e o cantar conjunto dos sacerdotes com o povão entoando tenha um impacto.

Hare Krishna Hare Krishna
Krishna Krishna Hare Hare
Hare Rama Hare Rama
Rama Rama Hare Hare


Entrada para o Templo Hare Krishna em Bangalore.

(Krishna e Rama foram duas encarnações do deus Vishnu na religião hindu. Os indianos dizem que eles existiram mesmo, e tem até os lugares onde nasceram e talz. Mas, tal como Moisés e os personagens da Bíblia, as únicas provas da existência acabam sendo mesmos as escrituras das respectivas religiões).

O templo tem um belo altar de ouro e um chão limpo onde você pode se sentar, meditar etc. Há sininhos, incenso, chamas, com direito a tudo. (Só se entra descalço). Para entrar, inclusive, há duas opções. Uma é a entrada normal (que eu peguei), a outra é a mais hardcore, a de quem vem orando. Nesse caso, você fica igual num jogo de ludo; há 108 quadrados no chão em que você vai pisando um a um e dando a volta no templo. A cada um você precisa recitar o mantra hare krishna aí acima, e aí você avança. Hehe, quando vocês vierem aqui podem tentar essa via.

Bom, hoje eu tomei um café da manhã abastado mas já está me dando fome, então não vou me demorar muito mais. A comida daqui do sul uma beleza. Mais arroz do que pão - o que eu pessoalmente prefiro, embora eles aqui façam tudo de arroz inclusive bolinhos e panquecas. Belos molhos com leite de côco, gengibre, pimenta do reino e cravo-da-índia (tinha que ser daqui mesmo!). E boas frutas, tais como no nordeste do Brasil. Tomei até milk-shake de sapoti outro dia desses (que aqui é conhecido como chikku). (Éééé... podem zoar dizendo que eu achei "chico" gostoso, hehehe).

Xô ir me embora que eu ainda tenho coisa pra fazer antes de pegar meu ônibus pra Goa. Vô pro litoral. Hehehe. Ver um pouco de praia e de herança portuguesa, lá que foi colônia até 1961. Vamos que vamos, e dou notícia a vocês de lá.

Abraço!

sábado, 6 de novembro de 2010

O Sul da Índia

Deixe pra trás as tumbas e as marcas da invasão islâmica. Lembre-se, em vez disso, dos portugueses e da terra onde chegaram há 512 anos atrás. Em 1498 Vasco da Gama aportava aqui, no sul da Índia. Encontrou por mar o que árabes, persas, romanos e chineses já haviam conhecido há muito tempo. Uma terra quente e de coqueirais, cheia de uma gente escura e de cabelos compridos, ricos em cores vivas e de mercados vibrantes cheios de especiarias e misticismo. É esta parte da Índia que eu vou descobrir este novembro.

De Varanasi peguei um trem com dois mineiros, um rapaz da minha idade e seu pai, um coroa boa praça e que tinha uma frase favorita. Volta e meia na conversa ele sempre dizia: Todo gordo dorme tarde. Ele próprio não era gordo, nem o filho. Mas a frase ficou marcada.

A passagem por Delhi foi veloz. Fiquei lá alguns dias novamente no reduto dos Bhalla, mas a bruxa estava solta na casa e eu fiquei contente de passar a maior parte dos dias no congresso em que eu estava participando. Dona Bhalla estava no hospital e eu nem vi (problema nas plaquetas, pelo que eu soube). Seu Bhalla não falou nada, eu soube pelo vizinho. Seu Bhalla estava parecendo que tinha apanhado de porrete, e dizia que estava com febre também. Ele que já é um sujeito taciturno e que às vezes não responde o que você pergunta, estava mais ainda. Só me lembrei da música do Skank: Vamos fugir deste lugar, baby. Qualquer outro lugar ao sol, outro lugar ao suuuulll...

Paisagem do litoral do sul da Índia

E pra o sul eu vim. A primeira parada é Hyderabad (pronunciada Rai-deraBAD, com som de A mesmo), considerada o portal entre o norte e o sul da Índia. Aqui há ainda uma grande presença islâmica (mais da metade da população), apesar dos traços culturais do sul da Índia estarem ao redor (línguas diferentes, comidas diferentes, etc, eu vou contando isso ao passo que for descobrindo). Hyderabad queria até se juntar ao Paquistão na época da independência, foi preciso o exército vir aqui e intervir.

Lá pelos idos de 1400 os persas já haviam tomado essa região e se instalado aqui, então são 600 anos de presença islâmica na região, por mais longe que esteja do norte da Índia. Havia tolerância religiosa, então vivam muçulmanos e hindus aqui. Os maiores monumentos da cidade são dessa época.

O Charminar, a "mesquita de 4 minaretes", marco do século XVI no centro da cidade velha de Hyderabad
Birla Mandir, templo hindu em mármore branco em Hyderabad. Atmosfera muito agradável, com flores e pássaros.

Registrei também um pouco do movimento da cidade. Esta última sexta-feira foi Diwali, um festival da proporção do Natal para os hindus. É o chamado "Festival das Luzes", e eu acho que chegou a ser explorado na novela. Resultado: o comércio estava uma muvuca, com gente saindo pelo ladrão, saldões mil, e bananeiras por toda parte. É isso mesmo. Aqui é auspicioso pôr bananeiras amarradas na frente da sua loja no dia de Diwali, então a semana inteira o comércio de bananeiras na rua estava em alta. Também não faltavam bananas passadas no chão, e o cheirão incendiando. Eu cheirei tanta fruta velha que acho até que rolou uma fermentação nos meus pulmões. Eu vi a hora de expirar biogás.


Venha arrastar o seu sári no mercado de Hyderabad

Típicas caixinhas de doces de Diwali
O espírito do Diwali é celebrar a vitória do bem contra o mal, por isso as luzes e a festa. As pessoas acendem luzinhas tipo as de natal (com certeza os chineses também exportam pra cá), acendem velas, lâmpadas maiores e coloridas, comem doces e se dão presentes. (Só que os doces indianos são meio carregados demais no açúcar, então não entrei muito). Eles também tocam fogos de artifício, bombas, etc. É uma barulheira só, mas o enfeite nas casas e lojas é bonito.

Eu, pra não ficar de fora, quando estava visitando esse forte aí abaixo, flagrei um pessoal cantando parabéns. Entrei no meio e filei um pedaço de bolo com a aniversariante, hehe.

O Forte de Golconda, nas proximidades de Hyderabad


Bem, encerrado este "portal" Hyderabad, é hora de continuar rumo ao sul em direção ao litoral. Próxima parada: Bangalore, uma das cidades high-tech da Índia. Deixo vocês com algumas fotos curiosas, e até mais ao sul!

Você achava que chinês era estranho? Experimente aí o télugo, língua desta região que usa um alfabeto diferente do hindi.

Pra quem estava procurando o céu, aqui está. E você chega lá de tuk-tuk.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Governo da Índia paga para casais não terem filhos

Pequeno clipping de um vídeo que acabei de ver:

http://br.video.yahoo.com/watch/8514015/22805578

O jeitão das ruas é aquele mesmo. Parece especialmente com o que vi no Rajastão.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Mairon vai ao Ganges - Parte 2: Indo ao rio


Pronto, 22 de outubro estava ali, o aniversário havia chegado. Este foi um bem exótico, afinal não é sempre que se está num lugar como Varanasi. Pra começar, eu quis fazer o passeio de barco à luz do amanhecer no rio - tida como a melhor coisa a se fazer na cidade.

(Já que o tema do post é aniversário, e aproveitando a deixa, feliz aniversário, Vinícius! Muita felicidade pra você, meu velho!)

Às 5:30 lá estava eu, ainda meio sonolento mas já preparado. Os barqueiros, como sempre, são da mesma trupe de golpeia-turistas que habita o setor informal de serviços da Índia. Desta vez tínhamos um indivíduo que atendia pelo nome de Babú. Éramos eu, uma argentina, e um grupo de franceses. Do hotel fomos todos seguindo Babú, que já era um homem de meia idade, e eu queria ver como é que ele ia remar esse povo todo no braço.

Chegando no rio eu descobri. Babú era uma espécie de agenciador (os remadores, depois de certa idade, evoluem para remador manager, que na verdade não rema mais, só delega quem vai remar que grupo e controla a grana). Os coroas franceses bateram o pé querendo ir sozinhos (graças a Deus), então segui só eu e a argentina junto com um dos boys de Babú.

As vistas do rio ao amanhecer são fascinantes. Logo pela manhã já há bastante gente à beira d'água fazendo desde rituais até escovação de dentes.

Remadores no Ganges ao amanhecer, em Varanasi
A população vindo ao rio para orar e para se banhar pela manhã, em Varanasi
A essa altura a pergunta já deve estar queimando aí: "Cadê, Mairon entrou no rio? Tomou o banho finalmente?". Hehe, não ainda. Pra falar a verdade, não aqui. Não tinha condição, a podridão da água fazia você contrair seus músculos mais íntimos. Dava até medo de o bote de Babú virar.

Como diz minha amiga Letícia, ali há também uma "bagunça de auras" muito grande, oferenda na água por toda parte... parece a praia de Salvador em noite de ano novo. Mas o pior nem é isso, são as saídas de esgoto que você vê vindo da cidade e despejando no rio (não sei como é que permitem uma coisa dessas num rio que eles têm como sagrado, mas enfim). Entrar naquela água ali estava fora de cogitação (a menos que o bote virasse). Mas havia um outro lugar de que eu havia ouvido falar.

No trem, um homem havia me falado. "Vá para Sangam. Fica a 3h de Varanasi, nas vizinhanças de Allahabad, onde os três rios se encontram. Lá você achará o que procura". Decidi que iria para Sangam.

Voltei do bote de Babú, tomei café com a argentina, e a nós se juntou uma brasileira que nos ouviu conversando (primeiro compatriota que eu achei nessa viagem, depois de mais de 1 mês). Matei a saudade do bom humor latino-americano. Ficamos os três tirando sarro das coisas e falando de lugares interessantes pra visitar.

Finalmente, as duas tinham coisas a fazer, e eu também. Operação Sangam. Peguei o tuk-tuk pra a estação de ônibus. Por sorte de aniversário, esse tio do tuk-tuk foi legal e me botou numa dessas vans lotação em que fica o cara do lado de fora gritando "Quem vai! Quem vai! Bóra, Allahabad saindo agora! Tchalô, tchalô!". Eu jamais teria conseguido o mesmo preço que os indianos na lotação estavam pagando, mas como foi o tuk-tukeiro que negociou pra mim, acabou saindo o mesmo preço do ônibus - e bem mais rápido.

Poucas caras indianas são mais engraçadas do que aquela do cidadão que queria estar se aproveitando de você e, por força da circunstância, não conseguiu. O motorista ficava me olhando com uma mistura de risada e apreensão, de como quem diz: "Pô, esse turista aqui e eu tô deixando passar, não estou faturando nada em cima dele". Hehehe.

A van tinha duas enormes suásticas dos lados do pára-brisa, então me senti num veículo patrulha nazista do tempo da Segunda Guerra. Depois de umas 2:30h no aperto chegamos lá. Ou perto. Me largaram no centro de Allahabad, cidade feia e fedida. Uma zona. De lá peguei um ciclo-riquixá (igual ao tuk-tuk, só que o cara vai pedalando; é usado pra distâncias mais curtas). Cheguei não havia um cara-pálida, só indiano. É um ponto onde se encontram o Rio Ganges, o Rio Yamuna, e o Rio Sarasvati. Extremamente auspicioso. (Mais auspicioso ainda em certos dias a cada 6 anos em que há uma certa conjuntura astral; da última vez, em 2007, nada menos que 70 milhões de pessoas vieram pra cá, a maior aglomeração humana já registrada na história. 2013 tem outro. Você não vai ficar fora dessa, vai?)

Cheguei lá, só que ninguém me disse um detalhe: esse Rio Sarasvati não existe. Quer dizer, ele não está lá; a mitologia é que diz que ele existe. Boa sorte tentando convencer um indiano de que ali só passam 2 rios e não 3. A versão varia, alguns dizem que ele passa no subterrâneo, outros dizem que ele passa no céu, rola de tudo. A versão mais coerente (ao meu ver, mas que o povão indiano não vai concordar) é que era um rio que existiu há milhares de anos atrás, quando os textos sagrados hindus foram escritos, e que desapareceu. Há uns estudos indicando registros geológicos disso). Mas pra todos os efeitos, ali, três rios.

Veio um velho me oferecer barco. O negócio é ir lá pra o meião, onde as águas se misturam. "350 rúpias!". O outro velho do lado, "500!". (Depois eu me liguei que o velho do lado fica repetindo '500' só pra eu achar que 350 está barato. Na realidade ambos os preços são um roubo).

"Eu paguei 100 rúpias no Ganges hoje de manhã, meu tio! Você quer me cobrar 300 aqui?"
"Um rio, 100 rúpias; três rios, 300 rúpias"
Desconta o fato que um só existe no mito, né.
"O preço aí é 100 rúpias, não vou lhe pagar 300 não"
"OK, 100 rúpias pra ir"
"E eu por acaso vou ficar no meio do rio, meu tio?"
"Pra voltar, outras 100"

Vi que não ia conseguir muito além disso. Vamos lá, 200 rúpias. Novamente, não era o velho que remava. Ele chamou um rapaz lá que encasquetou que eu entendia hindi e ficou me dando explicações em hindi. Daqui a pouco vai querer cobrar por explicações que eu não entendi.

A água nesse lugar era melhor, embora não fosse fantástica. Pelo menos não dava nojo. No meio do rio, atracamos o barco a um outro onde estava um sacerdote. Operação a ser cumprida: tomar bênção de aniversário lá no lugar auspicioso. Simbologia bonita. Incluiu a reza de um mantra que ele dizia e eu repetia, derramar leite com pétalas no rio, e comer um bombom de amendoim. Oferendas com pétalas de flores a serem deixadas para a água levar, junto com pedidos, etc. O banho foi de gato, com os pés pra fora do barco e a mão pegando água. Eu não me joguei no rio. Por outro lado, o ritual inclui beber daquela água. Hehe, muito mais hardcore. Não tinha como dizer na cara do sacerdote "Vamos pular essa parte". É certamente a mais auspiciosa de todas. Então vem lá a caneca, que é na verdade uma cumbuca de metal grande, e você toma uns bons três goles cheios. Pronto, estava purificado.

Ia precisar mesmo, pois a volta foi uma loucura. Não tinha van nazista dessa vez, então fui no ônibus público mesmo. Já falei antes do muvucão que são esses ônibus públicos aqui. Esse foi o cúmulo disso, e de quebra ainda foi de noite pois já tinha escurecido. Vai uma lâmpada incandescente amarela no teto do ônibus pra iluminar enquanto ele fazia loucuras na estrada de mão-dupla.

Um senhor gordo estava sentado do meu lado. E ainda era desses assentos em cima da roda, em que tem menos espaço para as pernas. Aff. Mas ele na verdade foi a salvação, pois estava indo pro mesmo lugar que eu. Esse ônibus ia pra um sem-número de lugares, e Deus é que ia saber qual era a parada de Varanasi àquela hora no escuro. Eu estava vendo a hora é de estar à deriva em plena noite de aniversário no coração de Uttar Pradesh.

"Qual cidade você gostou mais, Allahabad ou Varanasi?", me perguntou ele.
Ambas cheiram a banheiro público.
"Não sei, eu não vi muito de Allahabad"
"Varanasi é melhor, muito melhor"
(Os homens indianos frequentemente não têm uma veia democrática muito forte. Não fazem muito o estilo 'cada um tem uma opinião, é questão de gosto', nada disso. Fazem mais o estilo da pessoa que tem uma opinião formada pra tudo, e se você pensar diferente, ele diz que você está errado. Além disso são mandões, adoram tomar a frente das coisas e lhe dizer o que fazer. Às vezes me lembram aqueles homens do Brasil Império ou de novelas de época da Globo do início do século XX).

Ele continuou. "Varanasi é uma cidade muito boa. Excelente cidade".
Santa maria... imagina se não fosse...

Depois de quatro horas de sacolejo no ônibus, chegamos de volta a Varanasi e o tio me apresentou ao lanka-lanka, que nada mais é do que o tuk-tuk lotação. Seria o meu transporte até o hotel.

"Já tá cheio, onde é que eu vou?"
O motorista: "Aqui". Apontou pra o pedaço entre ele próprio e a rua (tuk-tuks não tem porta). Pronto, fui com metade do corpo pra fora. Do lado de dentro uma perna, meia polpa da bunda, e um braço. Isso de noite, no trânsito indiano de mão dupla, deixa adrenalina de montanha-russa no chinelo. A bênção do Ganges foi providencial.

No outro dia segui viagem pra Delhi, e depois de uns dias lá num congresso de energias renováveis, vim para o sul do país. Acabei de chegar, e será meu point este novembro. Começo por Hyderabad, onde estou no momento (vejam ali no mapa). Breve histórias daqui. Por ora, deixo vocês com mais fotos do Ganges em Varanasi.